No feriado de Corpus Christi de 2024 (maio-junho) fomos para São Bento do Sapucaí escalar algumas vias. O feriadão foi de quinta a domingo, e como a viagem é longa desde Joinville (cerca de 10 horas), conseguimos sair na quarta-feira depois do meio-dia para poder escalar 3 dias (quinta, sexta e sábado). A ideia era iniciar o retorno no domingo de manhã para evitar o trânsito na grande São Paulo, e estarmos mais descansados para trabalhar já na segunda (deu boa, não pegamos trânsito).

 

Tínhamos um cronograma pré agendado de quais vias iríamos fazer a cada dia, o que ajudou bastante. Fomos eu (Yara), Ana, Anderson e Edison. Dividimos as duplas para equilibrar, o Anderson que tinha mais experiência com a Ana, e eu e o Edison na outra dupla. Foi minha primeira vez escalando em São Bento do Sapucaí, do Edison e da Ana também. Apenas o Anderson já tinha escalado por lá.

 

Todos os dias íamos sair no cume e descer por trilha (ou vice-versa), então a mochila era pequena (30 litros) apenas com o essencial: os equipamentos, 1 jogo de móvel para cada dupla, corda, comida, 2 litros de água aproximadamente por pessoa, etc. Levei também um par de rádio (Baofeng Bf-777s) para facilitar a comunicação e ajudou bastante, pois tem locais que realmente não dá para se ouvir na parede, e ficar berrando o tempo todo é cansativo.

 

Tivemos sorte com a previsão do tempo e todos os dias foram secos, com sol e temperatura agradável, não estava muito quente. Iniciamos as escaladas todos os dias bem cedo, porque como era feriado a probabilidade era de ter fila nas vias. Mas para nossa surpresa, em nenhuma das vias que entramos tinha outras pessoas. Apenas na V de Vingança que um pessoal rapelou do cume e ia começar a escalar depois de nós. Já estávamos na terceira cordada, no crux de VIIa nesse momento. 

 

Escalamos nos 3 principais picos: Ana Chata, Bauzinho e Pedra do Baú, nessa ordem. Na quinta de manhã iniciamos a escalada pela via Elektra 4° V E2 D2, 205 m na Ana Chata. Na sequência descemos do cume novamente para a base das vias, e como o Edison queria descansar um pouco, fizemos em um trio a via Peter Pan 4º IVsup, continuando pela via dos Lixeiros para sair no cume (cordadas 5 e 6 e parte da 4). 

 

No dia seguinte a ideia era fazer a V de Vingança 5° VIIa E2 D2, 245 m e a Galba Athaíde 4° Vsup, mas acabou rolando de fazer apenas a V de Vingança, pois foi bem demorado o rolê. A estratégia de escalada era sempre pensando na melhor logística. Nesse caso, saindo no cume do Bauzinho, iríamos novamente descer a trilha e subir pela Galba. Acabamos deixando uma mochila embaixo com alguns equipamentos, que precisou ser resgatada no dia seguinte.

 

No último dia de escalada a dinâmica de duplas mudou um pouco, eu e o Anderson fomos na Transbaú 5°sup VIIa E3 D3, 280 m e de tarde encontramos a Ana e o Edison no início da via Chresta com Normal 3° V E2 D1, 140 m. Aí em trio (Eu, Ana e Edison) escalamos a via para finalizar o climbing. No final desse dia eu já estava bem exausta, cheguei em casa tomei um banho e capotei, nem jantar não jantei rsrsrs. Foi sem dúvidas a trip que mais escalei, nesse último dia deu 420 m de parede, e nos 3 dias de escalada foram mais de 1000 metros (1080 m aproximadamente). Subo montanhas há quase 20 anos, mas a escalada técnica em rocha tenho me empenhado mais nos últimos meses. Apesar de já ter escalado em outros períodos da vida. 

 

Em resumo, a via mais desfrute achei a Elektra, a mais drenante a V de Vingança, a Peter Pan me marcou a distância da primeira chapa que possui um crux de aderência antes de proteger, a Chresta com Normal tem um visual deslumbrante (apesar de o acesso pelo col ser um pouco exposto), e a Transbaú, apesar de ser a mais longa e com maior quantidade de crux de sétimo grau, é menos drenante que a V de Vingança. 

 

Agora vamos aos detalhes…

Escalando a via Elektra, eu e Ana em alguma das paradas. Foto: Yara de Mello, 2024.
No cume da Ana Chata. Foto: Yara de Mello, 2024.

Via Elektra

Via de 5 cordadas, começamos a escalar por volta das 8 h. Primeiro foi o Anderson e a Ana, e na sequência o Edison começou a guiar a primeira cordada, e fomos revezando até o final.

Na cordada em móvel (quarta) o lance crux é no final da fenda para montar no “platô”. É só confiar que vai rsrsrs. A fenda é boa de proteger, bem legal essa enfiada em móvel. Depois que sai da parada tem um lance, tipo cavalinho, que tem pessoas que têm alguma dificuldade, mas é fazível também, não muito complexo.

Finalizamos a via por volta das 11h15min, visual incrível do cume da Ana Chata. Estávamos felizes da vida, primeira via escalada e com sucesso, sem perrengues, sem filas. Foi bom demais. A descida do cume é rápida e tranquila, tem uma hora que entra numa caverninha que fica tudo escuro, mas é de boas, logo se encontra a luz no fim do túnel. 

Os lances de diagonal que tem, tanto para acessar a P1, quanto na cordada final, apesar da distância das costuras, são lances relativamente fáceis, não é aquela aderência pura e lisa, é só manter a calma.

Ana fazendo o lance do cavalinho na via Elektra, quinta cordada. Foto: Yara de Mello, 2024.
Ana fazendo o lance do cavalinho na via Elektra, quinta cordada. Foto: Yara de Mello, 2024.

Via Peter Pan

Como escalamos essa via em 3 ficamos em dúvida se levaríamos as 2 cordas, mas optamos por subir apenas com a de 70 m porque seria mais “jogo”. A Ana foi escalando no meio e eu e o Anderson revezando a ponta da corda. 

 

Eu tinha visto um vídeo na internet sobre a via que falava que tinha um “crux” de aderência antes de proteger na primeira chapa. Fiquei com isso em mente. Mesmo assim fui guiando, mas não quis arriscar fazer o lance, aí tive que ficar ali na parede mesmo, a Ana deu segue para o Anderson, ele fez o lance e protegeu a primeira chapa, desceu e eu continuei guiando a cordada.

 

Se eu for lá novamente ainda é um lance que não quero guiar não, não curti, poderia ter uma proteção melhor ali. A pessoa sendo mais alta talvez nem sinta aquele crux, porque já alcança na agarra boa, massss. 

 

Fora isso, a via é tranquila, apenas algumas proteções que são mais distantes que na Elektra, achei em alguns momentos a via mais exposta, trabalha o psico. Tem uns lances de aderência também, não é dada não. 

 

Na última enfiada fiquei um pouco em dúvida para onde seguir (não conseguia avistar a parada, tá escondida), mas optei por ir até a crista antes de ir à direita em direção ao cume, e lá encontrei a parada. Depois a escalada segue por essa crista até o cume da Ana Chata, onde chegamos às 16h30min. Tem visual para a Pedra do Baú a via inteira, mais visu que da Elektra.

Yara escalando a segunda cordada da via Peter Pan, Ana Chata. Foto: Ana Gessner, 2024.
Ana escalando a via Peter Pan, Ana Chata. Foto: Yara de Mello, 2024.
Voltando para o estacionamento do Chico Bento após as escaladas na Ana Chata. Foto: Yara de Mello, 2024.

Via V de Vingança

Começamos a escalar depois das 8h (não lembro a hora exata), desta vez eu comecei guiando a primeira enfiada que tem uma fenda em móvel com lance de VI grau, não tinha certeza se conseguiria mandar, então preferi ir na frente, se não conseguisse, o Anderson poderia subir e finalizar.

 

Mas no fim deu certo, cordada cansativa, mas muito legal, é só manter a mente calma, no início antes de chegar na fenda tem uma aderência delicada, precisa ir com calma. A segunda cordada começa numa diagonal à direita, fica mais fácil descer um pouco da altura da parada para fazer essa travessia, é uma sequência exposta com poucas agarras e aderência. Acho que entre a primeira e a segunda chapa que a aderência é mais delicada. Observar para não confundir a P2, ela fica à esquerda mais para cima, tem uma parada à direita em um platô, mas é de uma outra via.

 

A terceira cordada é a do crux, o Anderson e a Ana passaram na nossa frente ali, já que o lance de VIIa nem eu nem o Edison estávamos preparados para fazer. Então com eles na parada conseguiram improvisar uma ponta de corda ou costura mais longa pra gente poder dar uma “roubada” no lance. Ao chegar na P3 tem que lembrar de proteger a primeira chapa da quarta enfiada antes de o participante subir, para o mesmo não pendular caso caia no crux.

 

A quarta cordada é uma diagonal bem exposta, que se cair vai pendular bastante. Nessa hora entendi porque o Edison preferiu guiar a cordada do crux kkkk. A saída da parada já é bem delicada. O Anderson seguiu na frente e quando estava na terceira chapa pedi para ele segurar (entrou em auto, duplicou a proteção com uma peça móvel, ali tem um platôzinho confortável), que eu iria guiando até essa chapa, aí com a corda dele esticada, passava meu auto seguro para ajudar no psico, caso caísse, não iria pendular tanto. Quando cheguei na chapa ele seguiu até a parada, a Ana foi na sequência e depois eu fui guiando normalmente. Aí o Edison veio por último. Entre a quarta e quinta chapeleta dessa cordada também tem um lance delicado.

 

Fui guiando novamente até a P5, é uma cordada de 40 m exposta, mas fácil, tem como colocar peça móvel para deixar mais protegida. O crux da cordada seguinte é um pouco pesadinho, mas deu para fazer. Na última cordada antes do cume é fácil, tem uma passada mais delicada, mas basta manter a calma. Pode estar levemente molhado, o que deixa mais drenante. 

Terminamos a via por volta das 16 horas. Foi mais demorado do que imaginávamos. Alguma demora a mais na cordada do crux e na transversal, e também na primeira, que a Ana nunca havia escalado em diedro, aí precisou usar o ascensor, pela primeira vez também rsrsrs. Foi cansativa a escalada, mas deu tudo certo. O par de rádio nessa via é útil, lembro de problemas de comunicação entre a P1 e a P2 e também entre a P6 e a P7.

Yara escalando a primeira cordada da via V de Vingança. Foto: Edison, 2024.
Yara escalando a primeira cordada da via V de Vingança. Foto: Edison, 2024.
Transversal na quarta cordada da via V de Vingança, Bauzinho. Foto: Yara de Mello, 2024.
No cume do Bauzinho após concluirmos a V de Vingança. Foto: Yara de Mello, 2024.
No cume do Bauzinho após concluirmos a V de Vingança.
No cume do Bauzinho após concluirmos a V de Vingança.

Via Transbaú

Acordamos cedo como de costume, às 5h20min. Depois de tomar café e se organizar, o Edison levou a gente (eu e o Anderson) de carro até o estacionamento do Chico Bento, e de lá iniciamos a caminhada até a base da via. Ao terminar a escalada a gente iria encontrá-los lá na base da Chresta com Normal. Então eles (Ana e Edison, depois de resgatar a mochila na base da V de Vingança) foram de carro pela entrada do parque lá no Bauzinho, aí a gente não precisou descer a via ferrata.

 

A primeira enfiada tem um crux de aderência, tem pelo menos 2 lances de aderência mais delicados. O Anderson guiou essa. A gente tinha combinado que as cordadas com maior graduação a responsa seria dele rsrsrs. Entrei em pouquíssimos sétimos na minha vida. 

 

A segunda enfiada, que tem proteção em móvel eu guiei, ela é bem tranquila, cordada desfrute. Na sequência vem um esticão de 60 m que tem apenas uma proteção, eu não quis encarar, porque às vezes tem uns III grau em aderência super expostos e lisos que não curto. Mas naquele caso era tranquilo, dava para ter guiado. E tem como colocar pelo menos uma proteção móvel antes da chapa e uma depois. 

 

O crux de VIsup no tetinho Estrella Fugaz tem bastante agarra boa, mas faz bastante força. O lance de Vsup antes de chegar no teto achei de boas até. Ali no VIsup dei uma puxada na costura, não quis malhar o lance, e como a via era longa, não queria me desgastar à toa.  

 

Na cordada seguinte, que tem dois lances de VIIa, a aderência que tem antes do primeiro crux é um pouco delicada, mas fazível. Achei o primeiro crux mais difícil, ali foi mais um lugar que precisei dar uma puxada na costura. Mas nesse caso não é agarrão, é reglete, lance mais duro. O segundo crux de VIIa no teto Space Station consegui mandar o lance, mas para quem guia parece mais complexo, já que precisa proteger com peças móveis. Depois que passa o teto, para chegar na parada também tem um lance delicado. Tem gente que acha esse lance até pior do que passar o teto.

 

As cordadas 6 e 7 guiei em apenas um esticão, é uma diagonal. Dá para proteger com móvel no esticão 6, no 7 que eu lembre fica mais exposto e não consegue, no entanto, é só manter a calma que a escalada é fácil. É mais tranquila que aquela diagonal da V de Vingança, bem mais tranquila.

 

Por fim, a última cordada novamente o Anderson pegou a ponta da corda e foi guiando. É uma cordada bem curta, um trecho mais vertical, que faz mais força, mas tem agarra. Depois o crux é conseguir sair do diedro e “subir no cume”, fiz um movimento esquisito, mas consegui, se estivesse guiando com certeza teria feito diferente.

 

Foi muito massa fazer essa via, curti bastante. Ela é mais protegida que outras como a V de Vingança. Como a via ferrata passa bem ao lado, volta e meia tem “aglomero” de gente sentada te olhando escalar. Isso bem nos crux ainda kkk só para tirar a atenção.

Anderson escalando a sétima cordada da via Transbaú, lance da diagonal. Foto: Yara de Mello, 2024.

Via Chresta com Normal

Começamos a escalar quando o Sol já estava começando a baixar, então foi tudo meio corrido. Eu e o Anderson descemos do cume da Pedra do Baú até a base da Chresta, no caso, rapelando pela via. Confesso que achei essa descida do Baú até a última parada da Chresta (primeira vindo de cima para baixo) um pouco exposta e aquilo já me deu uma drenada. 

 

Para acessar a primeira parada da via (saindo do col), de onde o participante vai dar segue para o guia, tem apenas uma chapa simples (chapa simples se bem me recordo), colocamos um camalot 3 para fazer uma parada dupla. Para acessar essa primeira parada para iniciar a via (vindo de baixo) tem que passar pelo col, e ali tem uma exposição considerável, sem proteção para quem guia. E na hora de descer a via, como a chapa ali é simples, também não é possível rapelar. Como já estava quase escurecendo e tínhamos deixado as lanternas na mochila, acabei deixando uma malha rápida ali, e rapelamos desde aquela chapa, para não pegar esse trecho mais exposto.

 

Bom, eu guiei a primeira cordada, o Edison foi no meio e a Ana por último. Com a corda de 60 m, o Edison precisou parar numa parada intermediária, eu dei mais corda, para daí ter corda o suficiente para a Ana. Ou seja, para escalar em 3 com corda de 60 m falta corda na primeira cordada, na segunda é de boas. A primeira cordada tem um crux assim que você consegue subir com o pé mais ou menos na altura da primeira chapa, é uma aderência. Se tiver uma panic já faz o lance direto (alcança na proteção). Eu não tinha levado nesse momento, precisei fazer o lance rsrsrs. Achava que seria mais fácil, estava com o celular no bolso do casaco e não queria cair. Até dei uma segurada na costura (depois de passar na segunda chapa) para não correr esse risco. Também precisa fazer força para conseguir subir na parede vertical e chegar no crux de V, não é tão simples. Enfim, depois desse crux a via fica fácil. Na segunda cordada tem um lance um pouco delicado, mas nada demais comparado com o crux de 5° grau. 

 

O visual da via é muito lindo, muito mesmo. A parte mais exposta é o acesso pelo col, e depois no rapel, também tem um lance exposto antes de chegar na primeira parada da via (que colocamos o camalot).

 

Foram dias intensos de muita escalada, não vejo a hora de poder voltar 🙂

Ana escalando a via Chresta com Normal, Pedra do Baú, primeira cordada. Foto: Edison, 2024.
Ana escalando a via Chresta com Normal, Pedra do Baú, segunda cordada. Foto: Yara de Mello, 2024.
Yara na parada final da via Chresta com Normal, Pedra do Baú. Foto: Ana Gessner, 2024.